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O Currículo Nacional para o Pré-Escolar e |
A forma como as nossas crianças são escolarizadas hoje terá um grande impacto no futuro de Timor-Leste – as crianças que hoje são estudantes serão os pais, os agricultores, os pescadores, os professores, os doutores, os engenheiros e os líderes de amanhã. Infelizmente, muita da discussão pública sobre esta questão tem vindo acompanhada de retórica política em vez de factos e informações sólidas. A La’o Hamutuk está a publicar esta página para ajudar aqueles que se preocupam em tomar decisões, em formar opiniões e em fazer política com base em evidências. As recentes movimentações para modificar elementos chave do currículo do pré-escolar e do currículo do 1º e 2º Ciclo do Ensino Básico fizeram surgir questões sérias sobre como está a ser definida a política educativa e sublinha a necessidade de uma discussão alargada para assegurar que as políticas são sustentáveis, equitativas e que suportam o sucesso escolar de TODAS as crianças timorenses. Estas políticas deveriam estar baseadas nas melhores práticas e na realidade local – não em objetivos políticos ou em inclinações pessoais de líderes em particular. O que é o currículo nacional? É um guia mínimo para:
O currículo nacional afeta de forma significativa a aprendizagem de todos os alunos em Timor-Leste. | |
Ao longo dos últimos três anos, o Ministério da Educação tem vindo a implementar gradualmente um currículo novo para o Pré-escolar e para os primeiros seis anos do Ensino Básico. Os professores têm recebido formação sobre os princípios, os métodos e o uso dos novos guias dos professores e dos livros dos alunos. A La’o Hamutuk foi uma das muitas organizações envolvidas nas consultas relacionadas com o novo currículo e juntamo-nos para questionar os nossos líderes políticos para que estudem cuidadosamente o impacto de qualquer potencial mudança ao currículo. Qualquer mudança deverá ser no sentido de melhorar o ensino e a aprendizagem, sem adicionar mais confusão e inconsistências na implementação de um currículo. A La’o Hamutuk espera que esta página contribua para discussões mais informadas, conduzindo a políticas melhores para todos os timorenses. Sentimos que é importante olhar para além da questão altamente politizada sobre qual língua usar e é importante considerar também muitas outras questões que garantam uma qualidade da educação: um conteúdo curricular que seja relevante para a vida dos alunos, materiais de instrução, formação e apoio aos professores, ensino que promova um pensamento crítico e criativo, sistemas de gestão e de responsabilização em sala de aula e na escola e prioridades orçamentais. | |
Novidades no Currículo Nacional? No dia 25 de janeiro de 2018, um dia antes do Presidente Francisco ‘Lu Olo’ Guterres dissolver o Parlamento, o Conselho de Ministros realizou uma Reunião Especial na qual aprovou a proposta do Ministério da Educação e Cultura para alterar dois Decretos de Lei de 2015 (DL3/2015 e DL4/2015) que definem o currículo para o Pré-escolar e para o 1º e 2º Ciclo do Ensino Básico (até ao 6º ano). No dia 30 de janeiro de 2018, a La’o Hamutuk, outras ONGs nacionais e pessoas individuais enviaram ao Presidente Lu-Olo uma carta apresentando as nossas preocupações (em Tétum), pedindo para que não aprove estas alterações, pois tememos que estas mudanças não sejam benéficas para muitos dos alunos. Também referimos que não houve transparência, nem consultas públicas, antes destas alterações terem sido aprovadas em Conselho de Ministros e pedimos para nos reunirmos com o Presidente. Acompanhamos esta ação com um comunicado de imprensa e também pedimos para nos reunirmos com os líderes ministeriais. Apesar de, em conjunto com outras ONGs, termos tentado ter acesso às alterações propostas para podermos apresentar comentários mais detalhados, antes de terem sido promulgadas, os esforços não foram bem sucedidos e os novos decretos-lei foram publicados no Jornal da República a 14 de março. Continue a ler em baixo sobre os acontecimentos mais recentes | |
Em 2013, com base em várias avaliações, o Ministério da Educação decidiu lançar a primeira revisão do currículo do Pré-escolar e do 1º e 2º Ciclo do Ensino Básico, realizado com base nacional. Os principais objetivos prendiam-se com a necessidade de resolver os níveis extremamente baixos de capacidade de leitura e as elevadas taxas de abandono escolar e repetição, garantindo que o currículo fosse 1) relevante e relacionado com a vida real dos alunos e 2) com base numa metodologia que envolve-se os alunos, fazendo-lhes perguntas constantes, em vez de ouvirem e repetirem simplesmente aquilo que o professor diz. Apesar de a aprendizagem ‘ativa’, ‘centrada no aluno’ e ‘inclusiva’ terem sido princípios estabelecidos no currículo de 2005, na realidade o que se usava nas escolas era uma metodologia centrada no professor e dominada por métodos de memorização e métodos de disciplina autoritária. Um programa piloto iniciado em 2009 pelo UNICEF mostrou que a utilização de métodos ‘amigos das crianças’ não era apenas possível, mas que era altamente eficaz e popular, para todos, professores, alunos e famílias. Assim, a reforma de 2013 incluiu guias dos professores com planos de aulas para cada disciplina, para cada nível de escolaridade, de forma a apoiar a formação do professor e a implementação do currículo. A revisão dos anteriores livros dos alunos não foi possível, porque o conteúdo desses materiais pertencia e eram controlados por uma editora portuguesa, que faria as revisões e reimpressões de uma forma muito dispendiosa e pesada; o Ministério decidiu que os novos livros dos alunos seriam desenhados, pertenceriam e seriam controlados pelo próprio Ministério. | |
A equipa que realizou a reforma curricular incluiu cerca de 40 profissionais, cuja maior parte deles eram professores experientes de várias partes de Timor-Leste. Em conjunto com consultores nacionais e internacionais, estudaram a realidade das escolas, analisaram o currículo que estava em vigor e fizeram amplas consultas junto de líderes nacionais, membros da sociedade civil e peritos das diferentes áreas disciplinares do currículo. A equipa apresentou dois documentos curriculares, um para o Pré-Escolar (Tétum) e outro para o Primeiro e Segundo Ciclo do Ensino Básico (também em Tétum) (1º-6º ano). Estes documentos definem a forma como os professores devem ensinar, o que os alunos deverão aprender – incluindo valores, capacidades e conteúdos – e como é que as escolas irão avaliar como os alunos estão a aprender. A seguir, em junho de 2014, o Conselho de Ministros discutiu e aprovou um Referencial para as Políticas da Educação Pré-Escolar e os dois Decretos-Lei que estabelecem o currículo Nacional até ao 6º ano. Depois de um diálogo entre o Ministério e o Gabinete do Presidente, as leis foram promulgadas e publicadas em janeiro de 2015, como Decretos-Lei 3/2015 e 4/2015. A implementação foi adiada até maio de 2015 devido a uma apreciação Parlamentar. O Ministério começou a implementação do novo currículo em 2015 para o 1º e 2º ano de escolaridade, em 2016 para o 3º e 4º ano e em 2017 para o 5º e 6º ano. Em 2015, a formação de professores enfatizou três mudanças fundamentais:
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De 2014 a 2017, o Ministério desenvolveu e produziu mais de 150 livros, incluindo guias dos professores, livros para os alunos, um atlas e livros de histórias em Tétum e Português, para desenvolver nos alunos o gosto pela leitura. Desenvolveu novos matérias para o ensino de Tétum, incluindo livros de leitura iniciais, relacionando letras e sílabas a sons, e livros de leitura e gramática para Tétum e Português. Foram produzidos livros de histórias e como fonte de recursos para uma variedade de temas importantes, incluindo a rica história pré-colonial de Timor-Leste, a nossa luta nacional pela independência, o ambiente natural e como o proteger, o cultivo de hortas para um futuro sustentável, ciências e matemática na vida diária e como construir relações cooperativas e equitativas. Também foram produzidos outros matérias, incluindo posters, gravações de canções e vídeos para fins de formação. (Estão disponíveis em baixo exemplares destes materiais.) O INFORDEPE, o centro nacional para a formação de professores, conduziu a formação de professores durante cada interrupção letiva, em cada trimestre, desde o início de 2015 até ao final de 2017. Contudo, os problemas logísticos e administrativos com a distribuição de alguns materiais importantes, incluindo planos de aula e livros dos alunos, especialmente para o 5º e 6º ano, atrasou a completa implementação do currículo. | |
Durante os últimos quatro anos, Timor-Leste teve quatro Ministros da Educação, e a mudança de liderança e de afiliações políticas aparentam ter sido o motivo para a mudança de políticas. O currículo foi fortemente apoiado pelo Ministro Bendito dos Santos Freitas e pelo saudoso Ministro Fernando ‘La Sama’ de Araújo, até ao momento da sua morte em junho de 2015. Sob o seguinte Ministro, António da Conceição, alguns dos dirigentes do Ministério começaram a questionar o currículo. Em 2017, enquanto decorriam as eleições Presidenciais e Parlamentares, António da Conceição (que se candidatou a Presidente), iniciou um Congresso Nacional da Educação. Os atuais líderes do Ministério referem as recomendações dessa conferência para justificar a necessidade de alterar os Decretos-Lei de 2015, mas alguns dos observadores e participantes questionam como é que foram preparadas e decididas essas recomendações. A La’o Hamutuk vai continuar a atualizar esta página e receberá de boa vontade informações de todas as fontes. | |
Acontecimentos Recentes (de março a abril de 2018) Tal como descrito na banda desenhada ao lado direito (clique para ver maior), a La’o Hamutuk e outros membros da Rede de Advocacia para a Educação escreveram ao Presidente, pedindo-lhe para não promulgar os Decretos-Lei em relação à política curricular do pré-escolar e do ensino básico que foram propostos, até que houvesse tempo para ser realizada uma avaliação independente ao currículo em vigor e para ouvir a sociedade civil. A 1 de março, aproximadamente 1 mês depois de ter sido enviada a carta, um funcionário do Palácio Presidencial telefonou à La’o Hamutuk dizendo que o Presidente estava contente por poder ouvir a sociedade civil e que os Decretos-Lei não seriam promulgados já, para que ele (o Presidente) pudesse analisar as alterações e ouvir informações mais detalhadas sobre cada artigo específico que causasse preocupação. A La’o Hamutuk explicou que não poderíamos dar informações detalhadas, sem termos acesso aos documentos oficiais relativos às alterações, mas os vários pedidos não obtiveram resposta. Com isto, um funcionário presidencial disse-nos para fazermos o pedido ao Conselho de Ministros e ao Gabinete do Primeiro Ministro, mas não recebemos todos os documentos completos com todas as alterações até ao dia 16 de março, quando ficamos a saber que o Presidente da República já tinha promulgado a lei uma semana antes, no dia 9 de março. Depois de ler e analisar com cuidado as alterações, a Rede de Advocacia para a Educação preparou uma Petição detalhada para que fossem rejeitados os novos Decretos-Lei, pedindo aos partidos políticos para fazerem uso do direito constitucional do Parlamento pelo qual pode realizar uma apreciação aos Decretos-Lei. A La’o Hamutuk também preparou um Resumo da grande Petição para ser distribuído pelos jornais. | |
Parlamento rejeita alterações aos currículos nacionais (de julho a agosto de 2018) O Artigo 98 da Constituição de Timor-Leste atribui ao Parlamento o direito de rever e de, potencialmente, rejeitar os decretos-leis promulgados pelo Presidente da República, desde que as leis sejam apresentadas para apreciação por 20% dos Membros do Parlamento e dentro dos 30 dias após a sua publicação no Jornal da República. A Constituição regista que, ao prazo de 30 dias “deve descontar(-se) os períodos de suspensão do funcionamento do Parlamento Nacional.” No dia 11 de julho, após a formação do novo Quinto Parlamento Constitucional, os distintos deputados apresentação um pedido de apreciação parlamentar dos Decretos-Lei n.º 3 e n.º 4/2018 - que alteram os currículos nacionais de base do pré-escolar e do 1º e 2º ciclo do ensino básico, eliminando praticamente os currículos existentes. Nos dias 6 e 7 de Agosto, as sessões plenárias do Parlamento Nacional foram dedicadas a este assunto. Foram vários os deputados, de diferentes partidos, que afirmaram que estas questões deveriam ser decididas com base no que é melhor para as crianças e não nas políticas partidárias. Porém, a discussão foi claramente e estritamente dividida em linhas partidárias. Os deputados que apoiam o novo Governo (CNRT, PLP, Khunto, UDT/Fretilin Mudansa) apresentaram-se a favor da revogação dos Decretos-Lei de 2018, enquanto que os partidos da oposição (Fretilin e PD) desafiaram o processo de revisão e, ironicamente, questionaram a mudança de política imediatamente após uma mudança no governo. A política educativa em relação às línguas foi um tópico abordado repetidamente ao longo dos dois dias. Mais uma vez, as opiniões dos parlamentares seguiram estritamente as linhas partidárias, com os membros da oposição invocando uma maior ênfase no português e questionando o “projeto da língua materna” (uma referência clara ao programa-piloto de Educação Multilingue Baseada nas Línguas Maternas - EMBLI), enquanto que os a maioria enfatizava que os Decretos-Lei de 2015 ajudaram a melhorar os níveis de alfabetização e o sucesso geral dos alunos, em ambas as línguas oficiais, tétum e português. Os dois dias de discussão foram seguidos presencialmente por muitas ONGs com interesse no asunto, incluindo La’o Hamutuk. As vozes da sociedade civil também foram ouvidas no debate, quando uma deputada fez a leitura de trechos da petição da Rede de Advocacia para a Educação, no sentido de serem rejeitados os Decretos-Lei de 2018. Quando foi convocada a votação final para cessarem vigência os dois Decretos-Lei de 2018, os membros da Fretilin e do PD saíram em protesto. O resultado da votação final foi de 36 votos a favor, 0 votos contra e 1 abstenção (a abstenção veio do PUDD, que não se identifica nem com os partidos do governo, nem com da oposição). A 10 de agosto de 2018, as Resoluções entraram oficialmente em vigor, após serem publicadas no Jornal da República. Estas resoluções são históricas, na medida em que, é a primeira vez que o Parlamento faz uso do Artigo 98 da Constituição para revogar um decreto-lei. La'o Hamutuk considera o Artigo 98 como parte integrante do sistema constitucional de verificação e equilíbrio entre os quatro órgãos soberanos de Timor-Leste: Presidente da República, Parlamento Nacional, Governo e Tribunais. Esperamos que todos os membros do Parlamento compreendam este direito constitucional e que o usem sempre de forma apropriada. Estamos satisfeita com a decisão e com a continuidade de vigência dos Decretos-Lei de 2015 e esperamos que o Ministério da Educação tenha a capacidade de financiamento e de supervisão para garantir a implementação plena e adequada dos currículos. Lamentamos esta contínua divisão partidária e a incapacidade aparente de se ter uma discussão construtiva, particularmente sobre a questão de como usar as línguas nas escolas. Encorajamos todas as partes e todos os indivíduos para aprofundarem os seus conhecimentos sobre política educacional e sobre pesquisas já realizadas em Timor-Leste, para que as discussões possam ter por base dados e não apenas experiências e/ou opiniões pessoais. | |
Documentos legais e informações (em ordem cronológica. Estão todos em português, exceto os referidos)
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Exemplares de materiais educativos do currículo de 2015:
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The Timor-Leste Institute for Development Monitoring and Analysis (La’o Hamutuk) |